14.5.23

redshift

 Eu não sabia muito bem o que esperar - ou se é que eu deveria esperar alguma coisa. E você estava lindo - de um jeito que nenhuma das minhas amigas jamais entenderia, ou entenderá. Quer saber? Ainda bem que marcamos assim, em cima da hora, justamente em um dia em que minha mente estava tão mais preocupada com ene outros acontecimentos. Eu sequer tive tempo de raciocinar que você estaria logo ali.

E foi assustador.

A cada frase, uma nova coincidência, uma mania já conhecida - só que por meio de outro alguém. As noites mal dormidas, os vídeos aleatórios, a indiferença nos detalhes do sabor da cerveja. Espero que meu choque não tenha ficado evidente na minha feição - porque mentalmente, eu estava aos berros.


Só que nenhum de nós conseguia sustentar o olhar. Teríamos os dois motivos para desviar? Seria você na sua versão - novamente - tímido, e eu com mil outras razões impronunciáveis? E eu acho tudo isso tão cruel com nós mesmos, sabe. Já são anos (em breve entraremos na versão 'décadas' deste mesmo discursinho) em que a curiosidade reina na minha mente. 'E se'.

Mas nunca é. Porque a gente se desencontra tanto, que eu já cansei de ter ver passar no meu horizonte, mas não poder fazer nada. Então eu sigo. Até porque a brocha do século seria se as expectativas fossem quebradas depois de mais de uma década de 'e se', não é mesmo? Só que você me pega desprevinida com o teu sorriso de canto de boca. Parecendo menino.

Como eu te conheci. E você ainda tem a audácia de perguntar se eu mudaria de cidade. Eu não mudaria nada se não fosse eu mesma como razão principal. Só que você sabe disso, e pergunta para provocar. Para ver até onde vai. 'Até onde você quer ir? Porque tô aqui. Tua.', minha mente novamente grita. 

Mas eu não falo nada. Desvio o olhar para fora do lugar. A noite tá fria e eu queria você do meu lado. Mas a vista daqui tá tão bonita. Onde foi que co-habitamos o mesmo tempo e espaço sem vácuo? Como duas galáxias que colidem entre si, e um universo inteiro então surge.


Sabe o pior? Eu sei que você sabe (que eu sei que você sabe...) que eu falo pelo olhar. Você já tem mais de dez anos de prática. E você sabe que você sabe ler exatamente o que eu quero dizer. Mas ninguém falou nada. E nós nos abraçamos e nos despedimos como dois adultos que somos. 

'Saudade daquela irresponsabilidade', você sussurra ao sair. Eu também.

17.11.20

See you on the other side

 

Cena 1: Plataforma de trem

Já se passaram dez anos, mas até hoje eu não consegui digerir aquela cena digna de final de filme de romance. Afinal, éramos jovens, mal sabíamos falar de sentimentos. 

Mais do que isso, eu era jovem demais para compreender os teus sentimentos. Se é que existiu algum ali — se não houve nada, mereces o prêmio de falso mais romântico deste país. E, acima de tudo, mal sabia que eu sentia algo. 

Senti tanto que até hoje, a cena se repete na minha mente. 'Bis später!', era o que gritávamos uns para os outros. Vinte, trinta jovens reunidos em uma plataforma de trem. Jovens que haviam vivido o inimaginável ao longo de um ano, e agora escondiam lágrimas entre uma falsa mensagem de um 'até logo'. Conto nos dedos das mãos quantas vezes os revi depois daquele final de tarde. 

Até ali, eu já sabia o que você gostava e desgostava, o valor de família e laços próximos para você, já havíamos aprontados peripécias longe e perto um do outro. Um sutiã que abriu sem ninguém encostar, uma cerveja esparramada pela cara inteira, um beijo demorado na neve — e nós, de camiseta. A receita para uma pneumonia etílica. 

Só não sabia que você gostava de mim. A ponto de, na hora da despedida, fechar a cara e derramar uma lágrima. Naquele instante, fui eu quem roubou um beijo seu. Naquele instante, pareceu ser o último beijo de uma vida inteira. 

Cena 2: Na avenida mais movimentada do país

'Onde você tá agora?', você perguntou esbaforido do outro lado da linha do telefone. 'Não sei, no meio da Paulista?', eu averiguei ao meu redor. Era um início de noite de uma sexta feira, e eu estava na cidade para um evento do meu curso de graduação. Você, na época, estava no cursinho — era tudo o que eu sabia da nossa curta troca de mensagens. Afinal, SMS era caro. 

Você desligou logo após de me pedir para ficar exatamente onde eu estava. 'Eu preciso ficar aqui para encontrar um amigo', disse eu para as minhas companhias, que se entreolharam e me questionaram 'mas… aqui mesmo?!', com aqueles olhares incrédulos. Sim, aqui mesmo, pensei com todas as minhas inseguranças e a expectativa de te encontrar já ficando pequenininha. 

Eles partiram, e eu fiquei. Sozinha, com uma bolsa promocional do evento a tiracolo, observando o fluxo de carros indo e vindo. Eu olhada em direção ao Paraíso. Na minha mente, Kooks tocava — para variar um pouco. 

Quando eu estava a ponto de partir (afinal, eu estava a uma quadra do hotel, eu tinha um evento de noite, e precisava me arrumar), ainda olhando para o final da Avenida Paulista, eu sinto um cutucão no meu ombro direito. No mesmo instante, pensei que eu tinha derrubado algo no chão. Virei.

Foi nesse instante que senti teu abraço no meu, teu corpo quente, meio suado, digno de quem correra a rua inteira para chegar até ali, teus lábios urgentes nos meus. Eu só vi que era você depois que eu abri os olhos — embora não quisesse, achando que seria minha imaginação inventando moda.

Dois anos depois, o coração lembrou daquela despedida. Maldita memória muscular. Descompasso. 'Oi', você disse. Eu só sorri de volta, sem ar. E era você quem tinha vindo correndo. Quisera eu ter essa urgência com tantas outras coisas da minha vida. 

Minha memória falha ao tentar recordar do breve diálogo que tivemos naquela esquina, com você sorrindo, e eu também. Eu tinha rejuvenescido de volta para aquela plataforma de trem, eu tinha me esquecido como era perder o ritmo da respiração, eu tinha me esquecido de você. Quisera eu lembrar de todos os detalhes desse encontro tão… breve. 

Porque foi isso. Você chegou de supetão, me deu um beijo que eu gostaria que jamais tivesse terminado, e foi embora. Também correndo. Você tinha pressa, e eu também. Mas até hoje eu duvido um pouco se tudo aquilo, de fato, aconteceu. 

Cena 3: Do outro lado de uma janela (e você nem sabe)

'Você tá em Gramado?', você me perguntou após ter curtido uma foto minha em uma rede social. Sim senhor, eu estava. Almoçando com meus pais no restaurante de sopas ao pé da igreja localizada no centro da cidade. 

'Vamos sair hoje de noite? Minha irmã queria conhecer uma cervejaria daqui', você logo lançou. Eu, com todos os meus anseios e medos e desconfortos da época, respondi que não podia, era um dia reservado para acompanhar meus pais. E era mesmo — mal sabia eu que era a última ida do meu pai a Gramado comigo. Não me arrependo. 

Mas meu coração apertou ao ter que negar o teu convite. E você ainda insistiu, me dando mais uma chance de te reencontrar. Eu deixei o celular de lado. 'Quem sabe a gente se esbarra por aí', eu respondi já na sobremesa. 

E foi com o gosto amargo de café que eu te eternizei . Assim, do nada (como sempre), você saiu desse plano virtual onde estão as mensagens e os emails e as curtidas e as vozes, e passou logo em frente da janela onde eu estava sentada. 

De novo, meu coração não soube lidar com a situação: até hoje não sei se acelerou, aprontando meus músculos para sair correndo e te encontrar, ou se ele parou, deixando-me estática, sem saber o que fazer. O café esfriou na minha boca, porque esqueci de sua existência. Minha respiração ficou suspensa pelo que pareceu ser alguns longuíssimos segundos. 

Você estava ali, ao alcance da minha mão, andando lado a lado com a tua família. Ah, se não houvesse aquele vidro. 

Cena 4: 'Mein Schatz'

Hoje, mais de dois anos desde a última vez que te vi presencialmente, meu coração ainda demora para digerir informações que vem de você. E eu não sei interpretar esse fato. Assim como eu nunca soube interpretar a ti e todos os teus sinais. 

Vai ver que isso é o assunto do próximo encontro.

8.9.20

You keep yours; and I keep mine

 Querido você,


Hoje me deu tanta vontade de te escrever. Acho que o gatilho foi uma música, assim como tantas outras. Como você está? Não tenho mais notícias tuas há tanto tempo, e te perdi de vista há mais tempo ainda. Nem lembro mais do teu rosto. Ou do teu cheiro. 

Sabe, hoje em dia eu entendo o que aconteceu. E o porquê aconteceu. Sendo bem direta: eu não era suficiente. Jamais havia sido. Eu, até então, nem sabia o que era suficiente. Como você vai querer algo que você desconhece, não é mesmo? 

Pois então. 

Hoje, eu escrevo para te contar as boas novas: agora eu sei. Agora eu entendo. Eu não conhecia o que era ser suficiente para, antes de outras pessoas, eu mesma. Amar-me antes de te amar também. Ser inteira, completa; para só então desejar outro alguém. To be enough

E tudo bem, sabe. Não era nem foi culpa de ninguém. Não peço desculpas porque não houve culpa no jogo. Houve uma porrada de autoconhecimento assim que decidi caminhar só. E foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. 

Esses dias eu ouvi alguém dizer, 'O que eu preciso fazer para encontrar o caminho de volta para mim mesma?'. Profundo, né? E me deu vontade de responder, 'só parte'. Por mais que doa, que na hora não faça sentido, por mais que a hesitação chegue, e você se questione muitas vezes, vá. Diga que só vai voltar quando se encontrar. 

E essa pode ser uma estrada que passa na quadra de trás de casa, pode ser que tenha um atalho, ou pode dar uma volta no mundo. E é isso que é bonito, no fim das contas, não é mesmo? 

Boa viagem.