Cena 1: Plataforma de trem
Já se passaram dez anos, mas até hoje eu não consegui digerir aquela cena digna de final de filme de romance. Afinal, éramos jovens, mal sabíamos falar de sentimentos.
Mais do que isso, eu era jovem demais para compreender os teus sentimentos. Se é que existiu algum ali — se não houve nada, mereces o prêmio de falso mais romântico deste país. E, acima de tudo, mal sabia que eu sentia algo.
Senti tanto que até hoje, a cena se repete na minha mente. 'Bis später!', era o que gritávamos uns para os outros. Vinte, trinta jovens reunidos em uma plataforma de trem. Jovens que haviam vivido o inimaginável ao longo de um ano, e agora escondiam lágrimas entre uma falsa mensagem de um 'até logo'. Conto nos dedos das mãos quantas vezes os revi depois daquele final de tarde.
Até ali, eu já sabia o que você gostava e desgostava, o valor de família e laços próximos para você, já havíamos aprontados peripécias longe e perto um do outro. Um sutiã que abriu sem ninguém encostar, uma cerveja esparramada pela cara inteira, um beijo demorado na neve — e nós, de camiseta. A receita para uma pneumonia etílica.
Só não sabia que você gostava de mim. A ponto de, na hora da despedida, fechar a cara e derramar uma lágrima. Naquele instante, fui eu quem roubou um beijo seu. Naquele instante, pareceu ser o último beijo de uma vida inteira.
Cena 2: Na avenida mais movimentada do país
'Onde você tá agora?', você perguntou esbaforido do outro lado da linha do telefone. 'Não sei, no meio da Paulista?', eu averiguei ao meu redor. Era um início de noite de uma sexta feira, e eu estava na cidade para um evento do meu curso de graduação. Você, na época, estava no cursinho — era tudo o que eu sabia da nossa curta troca de mensagens. Afinal, SMS era caro.
Você desligou logo após de me pedir para ficar exatamente onde eu estava. 'Eu preciso ficar aqui para encontrar um amigo', disse eu para as minhas companhias, que se entreolharam e me questionaram 'mas… aqui mesmo?!', com aqueles olhares incrédulos. Sim, aqui mesmo, pensei com todas as minhas inseguranças e a expectativa de te encontrar já ficando pequenininha.
Eles partiram, e eu fiquei. Sozinha, com uma bolsa promocional do evento a tiracolo, observando o fluxo de carros indo e vindo. Eu olhada em direção ao Paraíso. Na minha mente, Kooks tocava — para variar um pouco.
Quando eu estava a ponto de partir (afinal, eu estava a uma quadra do hotel, eu tinha um evento de noite, e precisava me arrumar), ainda olhando para o final da Avenida Paulista, eu sinto um cutucão no meu ombro direito. No mesmo instante, pensei que eu tinha derrubado algo no chão. Virei.
Foi nesse instante que senti teu abraço no meu, teu corpo quente, meio suado, digno de quem correra a rua inteira para chegar até ali, teus lábios urgentes nos meus. Eu só vi que era você depois que eu abri os olhos — embora não quisesse, achando que seria minha imaginação inventando moda.
Dois anos depois, o coração lembrou daquela despedida. Maldita memória muscular. Descompasso. 'Oi', você disse. Eu só sorri de volta, sem ar. E era você quem tinha vindo correndo. Quisera eu ter essa urgência com tantas outras coisas da minha vida.
Minha memória falha ao tentar recordar do breve diálogo que tivemos naquela esquina, com você sorrindo, e eu também. Eu tinha rejuvenescido de volta para aquela plataforma de trem, eu tinha me esquecido como era perder o ritmo da respiração, eu tinha me esquecido de você. Quisera eu lembrar de todos os detalhes desse encontro tão… breve.
Porque foi isso. Você chegou de supetão, me deu um beijo que eu gostaria que jamais tivesse terminado, e foi embora. Também correndo. Você tinha pressa, e eu também. Mas até hoje eu duvido um pouco se tudo aquilo, de fato, aconteceu.
Cena 3: Do outro lado de uma janela (e você nem sabe)
'Você tá em Gramado?', você me perguntou após ter curtido uma foto minha em uma rede social. Sim senhor, eu estava. Almoçando com meus pais no restaurante de sopas ao pé da igreja localizada no centro da cidade.
'Vamos sair hoje de noite? Minha irmã queria conhecer uma cervejaria daqui', você logo lançou. Eu, com todos os meus anseios e medos e desconfortos da época, respondi que não podia, era um dia reservado para acompanhar meus pais. E era mesmo — mal sabia eu que era a última ida do meu pai a Gramado comigo. Não me arrependo.
Mas meu coração apertou ao ter que negar o teu convite. E você ainda insistiu, me dando mais uma chance de te reencontrar. Eu deixei o celular de lado. 'Quem sabe a gente se esbarra por aí', eu respondi já na sobremesa.
E foi com o gosto amargo de café que eu te eternizei . Assim, do nada (como sempre), você saiu desse plano virtual onde estão as mensagens e os emails e as curtidas e as vozes, e passou logo em frente da janela onde eu estava sentada.
De novo, meu coração não soube lidar com a situação: até hoje não sei se acelerou, aprontando meus músculos para sair correndo e te encontrar, ou se ele parou, deixando-me estática, sem saber o que fazer. O café esfriou na minha boca, porque esqueci de sua existência. Minha respiração ficou suspensa pelo que pareceu ser alguns longuíssimos segundos.
Você estava ali, ao alcance da minha mão, andando lado a lado com a tua família. Ah, se não houvesse aquele vidro.
Cena 4: 'Mein Schatz'
Hoje, mais de dois anos desde a última vez que te vi presencialmente, meu coração ainda demora para digerir informações que vem de você. E eu não sei interpretar esse fato. Assim como eu nunca soube interpretar a ti e todos os teus sinais.
Vai ver que isso é o assunto do próximo encontro.